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Por que a pesquisa social não pode ser neutra ou objetiva?

Atualizado: 6 de mar. de 2020

Existe um senso geral que supõe que pesquisas quantitativas são mais neutras e objetivas do que as pesquisas qualitativas. Como o resultado final é composto por números e estatísticas, e não um enorme emaranhado discursivo que precisa ser digerido e interpretado, então naturalmente se conclui que a pesquisa quanti só pode ser mais acurada, correto?


Bem, nem sempre… Em se tratando de pesquisas sociais (como pesquisas de comportamento do consumidor, pesquisas de satisfação ou mesmo estudos exploratórios que visam à inovação), eu acredito justamente no contrário! Isto é, na difícil tarefa de compreender os comportamentos humanos, as pesquisas quali são dotadas de valiosos recursos para evitar os diversos vieses que podem surgir ao longo do processo.


Antes de mais nada, é preciso partir do pressuposto de que nenhuma pesquisa pode ser inteiramente neutra, pelo simples fato de ser realizada por ser um humano - ou um grupo deles - que é dotado de subjetividade e história. Todo estudo, toda trajetória, toda experiência que vivemos contribui para nos constituir como sujeitos, e evidentemente isso interfere na nossa prática. Se tenho trauma de cachorro ou, ao contrário, sou apaixonada por eles, muito provavelmente minha abordagem numa pesquisa sobre ração canina será enviesada pela minha relação de medo ou amor pelo objeto. Então, o primeiro esforço de todo pesquisador (independente do método escolhido) é realizar aquilo que Pierre Bourdieu chamou de “objetivação: o esforço controlado de conter a subjetividade”. Para isso, uma primeira medida de cautela é detalhar cada pormenor da pesquisa: seu desafio, seus objetivos, seus objetos de análise, as justificativas, as metodologias empregadas, o contexto de sua realização, enfim, todo conjunto de informações que é ricamente explicitado no “temido briefing” (falarei sobre ele em breve). Segundo a antropóloga Mirian Goldenberg, no livro A arte de pesquisar, esse esforço de colocar no papel tudo que concerne à pesquisa contribui para que “o pesquisador tenha consciência da interferência de seus valores na seleção e no encaminhamento do problema estudado”, minimizando assim a tendenciosidade.


Mas, se existe a interferência da subjetividade do pesquisador, independente do método escolhido, então por que as pesquisas quali seriam menos tendenciosas do que as quanti? Basicamente por dois motivos diferentes. Primeiro, pela capacidade que a pesquisa quali tem de “ler” o entrevistado e perceber quando seu discurso é adequado às suas práticas e aos seus valores, e quando não o é. A observação participante, a entrevista em profundidade, o olho no olho… São todos recursos que permitem captar as inconsistências nos discursos, a distância entre a defesa de um valor e a prática real do indivíduo. Já num survey online, por exemplo, é muito mais fácil o entrevistado construir uma “verdade” impossível de sustentar numa pesquisa de mais fôlego, onde a observação atenta é capaz de fazer cair certas máscaras que os indivíduos sustentam. “A pesquisa qualitativa, através da observação participante e entrevistas em profundidade, combate o perigo de bias, porque torna difícil para o pesquisado a produção de dados que fundamentem de modo uniforme uma conclusão equivocada”, sustenta Goldenberg.


Por outro lado, as pesquisas quanti apresentam, em geral, uma estrutura rígida, com questionários fechados que se destinam a obter respostas comparáveis e, com isso, construir um resultado estatístico. Esse “fetichismo dos números” atrai muitos profissionais acostumados a tomar decisões baseadas em dados ditos objetivos, mas esbarra na limitação das possibilidades de um questionário fechado. Enquanto uma pesquisa quanti elaboraria a seguinte questão: “Quais marcas de ração canina você considera comprar para seu cachorro?”, dando 4 ou 5 opções fechadas de resposta; a pesquisa quali formularia: “Quais marcas de ração canina você gosta de comprar para seu cachorro? Por quê?”. O simples fato de não oferecer opções restritas de respostas ao consumidor, mas ao contrário estar aberta para a uma descoberta sem restrições, faz da pesquisa quali uma abordagem muito menos tendenciosa ou limitada.


Antes que a chuva de pedras comece a cair, já adianto: não se trata de defender uma metodologia como melhor do que a outra, mas apenas de atentar para o fato de que a noção de neutralidade na pesquisa quanti não é correta. Pesquisas quantitativas e qualitativas atendem a objetivos diferentes e demonstram resultados distintos, fazendo com que, idealmente, não concorram entre si, mas sim se complementem em métodos mistos e enriqueçam os achados sobre determinado tema.


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