top of page
  • Foto do escritorOnda Lab

O resgate da bandeira nacional


Instagram: @deniscarrion


Neste último sábado, 3 de junho, muitas cidades do Brasil presenciaram passeatas contra o presidente Jair Bolsonaro. As manifestações foram marcadas pela grande presença de um símbolo que há muito havia sido "sequestrado" pelos apoiadores do presidente: a bandeira do Brasil e suas cores verde e amarelo. Na verdade, a apropriação de símbolos nacionais por movimentos de extrema-direita não se inicia com Jair Bolsonaro e não se resume ao contexto brasileiro, sendo uma manifestação global.

Na Alemanha, nos EUA, na Polônia, na Finlândia, na Hungria… Longa é a lista dos países onde vemos a emergência de grupos ultranacionalistas de extrema-direita que, sob a retórica do nacionalismo, defendem pautas consideradas xenófobas, racistas e segregacionistas. E, ao se apropriar de símbolos nacionais - como a bandeira, as cores, o hino -, criam uma espécie de aversão a esses símbolos: para não ser confundido com um "nazista", convém não portar a bandeira alemã; para não passar por "bolsominion", melhor não usar a camisa da seleção…

Esse papo é longo, envolve muitas questões (a eclosão do nacionalismo é certamente uma resposta às consequências não previstas da globalização) e não é nosso foco aqui. O que queremos trazer é uma breve reflexão sobre o comportamento visto nas últimas manifestações de centro-esquerda, onde cada vez mais se observou a presença de pessoas com cores, bandeiras e camisas do Brasil. Parece que, finalmente, opositores da extrema direita perceberam que repudiar os símbolos nacionais não era uma boa estratégia narrativa, pois reforçava não somente a oposição extrema-direita x centro-esquerda, mas principalmente a oposição patriotas x não-patriotas. Foi assim que, objetivando não se confundir com um "nazista" ou um "bolsominion", passou-se a ser chamado de "anti-alemão" ou "anti-brasileiro" - o que certamente é um prato cheio para as plataformas políticas mais à direita.

O que chama mais atenção é o discurso de resgate daqueles que reivindicam os símbolos nacionais. "Eu quero minha bandeira de volta!", "Lutar para que as cores da nossa bandeira voltem a representar a união do povo", "A cor verde e amarela pertence ao povo brasileiro", "Esse é o nosso país, essa é a nossa bandeira, é por amor a essa pátria Brasil, que a gente segue em fileira".

Tudo aponta para a desconstrução da conexão entre as cores nacionais e um governo/grupo específico, em paralelo a um movimento de defesa e revalorização de elementos absolutamente nacionais: não só as cores e a bandeira, mas também o SUS, o Instituto Butantã, a Fiocruz e suas respectivas vacinas.


Instagram: @deniscarrion



Instagram: @biaramxs



Instagram: @perpetua_acre

O que isso tudo pode querer dizer? Seria o resgate da bandeira o primeiro passo para a reconstrução (ou, enfim, a construção) de uma (nova) identidade nacional? Um sentimento de valorização do que o país tem de melhor, apesar dos pesares? No livro "Bovarismo Brasileiro", a psicanalista Maria Rita Kehl fala sobre o bovarismo do povo brasileiro, a partir do conceito cunhado pelo psiquiatra Jules de Gaultier. Assim como a protagonista de Flaubert -- Madame Bovary --, teríamos o impulso de nos conectarmos não ao que é próximo/comum/nacional, mas nos vermos através da identificação/associação ao que se crê melhor: o estrangeiro. É a velha "síndrome do vira-lata", tão vista na recente busca incessante pelas vacinas da Pfizer e da Janssen. Para Kehl, no entanto, esse desejo por distanciar-se do nacional e aproximar-se do estrangeiro não conduz a sociedade à modernização e à emancipação que tanto invejamos nos outros países:

"O bovarismo dos países periféricos não favoreceu sua modernização; pelo contrário, sempre inibiu e obscureceu a busca de caminhos próprios, emancipatórios, capazes de resolver as contradições próprias de sua posição no cenário internacional - a começar pela dependência em relação aos países ricos." (Kehl, 2018, pg. 30-31).

Talvez a valorização de nossa bandeira, nossas cores e nossa produção científica - materializada nas vacinas da Fiocruz e do Butantã - possa apontar para o início de um necessário movimento emancipatório, quando finalmente entendemos todas as potências e belezas que o cão vira lata tem.

Referência: O bovarismo brasileiro, Maria Rita Kehl (2018) Todas as imagens foram pesquisadas no Instagram, através da #3J. Os créditos estão embaixo de cada foto.


90 visualizações0 comentário

Commenti


bottom of page