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O perigo da história única: sobre a importância de ouvir outros pontos de vista

Foto do escritor: Onda LabOnda Lab

Atualizado: 6 de mar. de 2020

Se, nesse minuto, pedíssemos para 100 pessoas fecharem os olhos e imaginarem Jesus Cristo, provavelmente umas 98 imaginariam um cara alto, magro, olhos claros e longos cabelos castanhos; um rosto delicado, com nariz e lábios finos. Mais ou menos como nas imagens que vemos em centenas (milhares!) de reproduções, desde livros infantis sobre a história do menino Jesus, passando por santinhos e crucifixos e chegando mesmo a mega produções cinematográficas estreladas por atores como Jim Caviezel ou Robert Powell no papel principal. Façam o teste, joguem no google seu nome e vejam as imagens que aparecem!



Pois bem, Joan Taylor, pesquisadora do King's College, em Londres, lançou em 2018 um estudo que diz revelar uma aparência mais acurada de Jesus, baseada no que existe de registro dos habitantes da mesma região onde Jesus teria vivido, no século I. Diferente da imagem eurocêntrica que conhecemos, este estudo defende que provavelmente Jesus foi um homem baixo, moreno, olhos castanhos e cabelos escuros e crespos, como na imagem reproduzida abaixo. O que tudo isso significa e por que nos interessa?




Ora, esse é um clássico - e talvez um dos mais notórios- exemplo de como uma história pode ser contada (e interpretada) de forma parcial e exclusiva, ganhando o status de “verdade”, ainda que não necessariamente o seja. O monólogo sobre quem foi Jesus Cristo, proferido pela Igreja Católica por séculos a fio, nos fez acreditar piamente numa imagem de Jesus construída à imagem e semelhança de quem contava essa história e construía produtos relacionados a ela - ou seja, os próprios europeus. Esse mesmo mecanismo de construção de uma “história única” acontece diariamente em empresas e instituições que são muito hierarquizadas e não conseguem promover um diálogo entre suas várias áreas. Vamos pensar num exemplo bastante comum.


Uma grande rede varejista começa a enfrentar problemas relacionados a defeitos numa linha de peças. Os clientes vão na loja reclamar e pedir para trocar. Vendedores e gerentes têm que lidar com a insatisfação do público e com o processo de troca (nem sempre simples e rápido). A equipe responsável pela compra dos produtos é comunicada do problema, e entra em contato com o fornecedor, que garante que o produto permanece o mesmo: mesma produção, mesma matéria prima. “Provavelmente é mal uso dos clientes”, afirma o fornecedor. Tudo isso acontece nos cargos intermediários e baixos de uma empresa. No topo, a diretoria olha para os números e vê que o índice de recall está dentro do normal, passando a considerar as reclamações que vêm da base como infundadas.


Pronto, foi construída, na esfera onde as decisões da empresa acontecem, a “história única” sobre o problema do produto: “não há defeito no lote, as pessoas é que estão usando errado”, “e além do mais, as falhas estão dentro da margem esperada”, “o procedimento é mandar para análise do fornecedor e, após 30 dias, ter o diagnóstico”. Sem ouvir os consumidores, sem debater com vendedores e gerentes, sem averiguar mais a fundo com fornecedores e parceiros, as empresas adotam diariamente decisões e procedimentos baseados numa verdade construída unilateralmente. É sobre esse tipo de falha - que envolve a falta de um olhar e uma escuta mais empáticos e horizontais - que trabalhamos diariamente para combater através da pesquisa.


Na OndaLab, toda vez que vamos construir uma pesquisa interna, encontramos gerentes e diretores com uma lista pronta de quem devemos falar para “entender os reais problemas da empresa”. Via de regra, colaboradores com funções “menos estratégicas e menos prestigiosas” ficam de fora: vendedores, atendentes de telemarketing e SAC, recepcionistas, estoquistas, técnicos de manutenção, analistas de comunicação, fornecedores… Mas são justamente esses profissionais que lidam diariamente com os clientes, os produtos e os problemas que surgem. Portanto, são uma fonte preciosa para fornecer um olhar diverso daquele da gerência e/ou diretoria. É da junção das várias histórias, da escuta atenta dos diversos pontos de vista, que conseguimos evitar o perigo da história única e, assim, obter uma imagem mais realista do que estamos investigando.


Para quem se interessar sobre o tema, recomendo vivamente assistir ao Ted Talk de Chimamanda Adichie, minha inspiração para escrever esse texto. Segue um trechinho para inspirar!




 
 
 

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