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Algumas lições para descomplicar o ESG


O termo ESG vem adquirindo grande importância e interesse nos dias atuais. Ele se refere à preocupação e processos com questões relacionadas à Environment, Social e Governance (em português, é comum o uso do correspondente ASG - Ambiental, Social e Governança) e, em muitos casos, é compreendido como uma chancela para empresas, iniciativas e investimentos no que diz respeito a aspectos como:

  • mitigação de danos ambientais advindos da atividade principal do negócio

  • ajuda na recuperação de sistemas ambientais (afetados ou não pelo negócio)

  • esforços pela diminuição da desigualdade social em comunidades de alcance do negócio

  • implementação de políticas de diversidade racial, de gênero e sexualidade nos quadros internos do negócio

  • luta por equidade salarial e de benefícios

  • políticas de combate à corrupção e fraude e etc.

Mas o que é necessário construir e/ou modificar em uma empresa para que ela se (auto) denomine ESG? Quem controla e determina isso? Será que existe alguma forma mais fácil de entender um investimento, movimento ou empresa como justos e conectados com as pessoas e o planeta? Este artigo foi construído com esses questionamentos ao centro, diante da grande explosão do interesse e da importância do termo para o mercado hoje.

Será que existe alguma forma mais fácil de entender um investimento, movimento ou empresa como justos e conectados com as pessoas e o planeta?

O nascimento do conceito pode ser identificado ainda na década de 70 nos EUA, quando religiosos queriam incluir seus critérios éticos em investimentos financeiros. Nesse momento, alguns grupos religiosos criam parâmetros embasados em seus valores morais, proibindo por exemplo a alocação dos recursos em empresas do setor bélico. Já o início do uso do termo ESG está ligado ao documento Who Cares Wins, de construção da ONU com o endosso de grandes instituições financeiras mundiais (incluindo o Banco do Brasil e outras com atuação nacional), em 2004/2005. O objetivo deste documento era provocar os CEOs das instituições sobre como integrar fatores ESG ao mercado de capitais.


Em termos de implementação de políticas focadas no incentivo e até na obrigatoriedade de ações hoje conhecidas como ESG, o Brasil foi pioneiro. Ainda em 1981, o governo brasileiro implementou a lei de Política Nacional do Meio Ambiente, que determina que financiamentos e investimentos públicos são condicionados ao atendimento de critérios e padrões ambientais. Já no mercado, a B3, bolsa de valores de SP, foi uma das primeiras no mundo a implementar um Índice de Sustentabilidade Empresarial, ainda em 2005. No entanto, o mercado ESG no Brasil ficou praticamente estacionado e suas regulamentações, defasadas, até este ano.


Atualmente, é visível um esforço para adequar as regras e critérios que determinam o que é ESG ao mercado e ao desejo dos consumidores. A B3, por exemplo, vem redesenhando os índices já existentes, abrindo, inclusive, uma consulta pública para definição dos critérios do ISE (Índice de Sustentabilidade Empresarial), e criando novos índices como o S&P/B3 Brasil ESG, em parceria com a Standard & Poor's. Isso tudo por conta do aumento na procura por títulos dentro desta definição e no interesse pelo assunto. O índice ISE da B3, por exemplo, vai passar a ser setorizado e terá reformulado o questionário que determinará o ingresso (ou não) das empresas no índice. Apesar de existir há 16 anos, o índice lastreia poucos fundos e é alvo de críticas por conter empresas de setores polêmicos, como o setor de petróleo, além de empresas envolvidas nas investigações da Lava-Jato, por exemplo. O índice, no entanto, vai manter grande parte da sua classificação ainda baseada na auto declaração das empresas, ainda que esse não seja o único critério.


Apesar da Lei de Política Nacional do Meio Ambiente e dos diferentes índices da B3, que classificam empresas de acordo com suas práticas, a regulamentação de investimentos ESG no Brasil é, para dizer o mínimo, complexa. Não sendo regulamentada ou balizada por outras instâncias, a responsabilidade de dizer quais práticas são consideradas ESG cabe ao próprio mercado que se beneficia da alcunha, provocando uma grande confusão e desconfiança junto ao público. Uma pesquisa realizada pela XP Inc, com base de clientes da XP, da Rico e da Clear, mostrou que a desconfiança do real impacto das iniciativas é uma barreira para 24% dos respondentes! Mas que, no entanto, 73% dos respondentes têm interesse em opções que tenham impacto socioambiental positivo.

Não sendo regulamentada ou balizada por outras instâncias, a responsabilidade de dizer quais práticas são consideradas ESG cabe ao próprio mercado que se beneficia da alcunha, provocando uma grande confusão e desconfiança junto ao público.

É neste cenário que vemos o despertar de projetos que, ainda que não se auto denominem ESG, têm todas as características de investimentos alinhado com noções de cuidado ambiental, social e de governança. Um exemplo é o Finapop, lançado em 2020 e capitaneado pelo economista Eduardo Moreira. Não se define nem como investimento e nem como banco, mas um movimento de financiamento popular onde investidores disponibilizam coletivamente quantias a grupos e cooperativas de agricultores que, de outra maneira, teriam que recorrer ao crédito bancário tradicional, caro e burocrático. Quando colocamos uma lente sobre o projeto, podemos perceber que se trata de uma iniciativa que traz o investidor (ou colaborador) para perto do investimento produtivo, eliminando as dificuldades de compreensão da natureza da atividade e da adequação a critérios considerados justos.


Já a Moeda, criada por Taynaah Reis, é uma plataforma mista que funciona como fintech, aceleradora e marketplace com foco em projetos de impacto de pequenos produtores. Com o propósito de "humanizar finanças e distribuir impacto", o projeto usa tecnologia blockchain para conectar investidores e produtores. Enquanto o pequeno produtor tem acesso a crédito e serviços bancários mais baratos e menos burocráticos, o investidor consegue acompanhar o projeto escolhido na plataforma e ver os seus resultados e impactos. A escolha dos projetos disponibilizados na plataforma usa os 17 ODS da ONU como referência e são, portanto, "projetos que impactam positivamente o desenvolvimento local, com respeito à diversidade, igualdade de gênero e preservação do meio ambiente.", segundo o site do projeto.


Em ambos os casos, não é necessário um índice, um selo ou uma autoproclamação como ESG, pois a própria natureza dos investimentos é visível e reconhecida como tendo elos com o ambiental e o social. Afinal, investir no pequeno agricultor/produtor, por exemplo, significa contribuir para a geração de renda das famílias envolvidas na cooperativa e para a produção de alimentos saudáveis e agroecológicos, uma vez que pequenas lavouras familiares tendem a dispensar o uso de agrotóxicos.

... a própria natureza dos investimentos é visível e reconhecida como tendo elos com o ambiental e o social.

Ok, mas o que o mercado pode aprender com estes exemplos? Em primeiro lugar, é muito importante compreender a conexão entre uma demanda por ética no mercado e o tema do cuidado com o meio ambiente e as relações sociais. Em pesquisa antiga, de 2012, a McKinsey já mostrou que 70% dos consumidores nos EUA e na Europa estariam dispostos a pagar por produtos "verdes" mais caros em até 5% do que os seus correspondentes "não-verdes". Em outro estudo mais recente, realizado pela Nielsen em 2018, fica claro a importância do tema para os consumidores, em especial para aqueles em países das zonas periféricas e os de novas gerações. Para os consumidores da América Latina, a proporção dos que se declaram muito ou extremamente preocupados com as questões socioambientais ficou dividida da seguinte forma:


  • poluição do ar - 84% (menor somente do que consumidores da região Ásia-Pacífico)

  • poluição da água - 90% (maior de todas as regiões medidas)

  • desperdício de embalagem e/ou comida - 81% (também, maior índice)

  • falta de água - 87% (de novo, maior índice)

  • uso de pesticidas - 74% (menor somente do que consumidores da região Ásia-Pacífico)

Esta mesma pesquisa mostra que a porcentagem de respondentes que afirma ser "extremamente" ou "muito" importante que empresas implementem programas de melhoria do meio ambiente foi muito maior entre as gerações mais novas, ou seja, os consumidores do futuro (85% dos Millennials e 80% da geração Z).


Ou seja, enquanto o mercado, num geral, e em especial o mercado de capitais, se mantêm atrelados à lógica da supremacia do lucro, os valores sociais parecem mudar ao redor do mundo. A preocupação financeira precisa abrir espaço para a preocupação com o cuidado socioambiental.


Em segundo lugar, os dois projetos nos ensinam a simplificar as coisas através da transparência e do comprometimento real com os valores do cuidado. Torna-se desnecessário "selo", pertencimento a índices ou auto declaração de ESG se é possível enxergar "a trilha" do dinheiro facilmente e saber exatamente para onde o seu investimento está sendo direcionado. Diferente de outros casos, a transparência sobre o destino do investimento e a forma da sua utilização deixam claro a prática do cuidado com o social e com o meio ambiente. As confusões, falta de padrões e falta de clareza dos critérios que determinam o que é o ou não ESG parecem mais uma estratégia para confundir o investidor e a opinião pública do que, de fato, uma referência positiva para auxiliar na escolha.


Em terceiro, podemos aprender o valor de enxergar as consequências positivas diretas do investimento, além do seu resultado financeiro. Não fica dúvida quanto a utilização dos recursos, gerando mais confiança do que uma autodeclaração, por exemplo. Como seria possível, então, enxergar os resultados diretos (para além do financeiro) dos investimentos de um fundo ESG, por exemplo? Este é um desafio com o qual o mercado precisa lidar. Diante deste novo comportamento e demanda do consumidor por impactos reais, como transformar seu funcionamento e sua comunicação para atendê-lo?


Com a mudança de pensamento do consumidor em relação ao tema do cuidado socioambiental, o mercado de investimentos vai ter que se adaptar e navegar por águas às vezes desconfortáveis, porém, mais simples e eficazes. A preocupação com o cuidado superando a preocupação com o lucro, a transparência sobre o formato e destino dos investimentos e a divulgação de resultados para além dos rendimentos financeiros são 3 bons exemplos de aspectos que parecem ser mais relevantes do que o estabelecimento de critérios complexos para que investimentos sejam caracterizados como ESG, ainda que sem base na realidade.


* Artigo desenvolvido com a valiosa colaboração de Aluysio Athayde, companheiro de pesquisa e sócio da Hau.

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