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A quem interessa o apagão de dados

Foto do escritor: Onda LabOnda Lab

Pouco tem se falado sobre a recente notícia de que o Censo Demográfico, já adiado de 2020 para 2021, não será realizado este ano e, possivelmente, nem em 2022. Não só pelo agravamento da pandemia, mas pelo corte de recursos destinados à sua realização. Dentro da recente polêmica do Orçamento 2021 da União, esconde-se o atestado de óbito do Censo 2021/2022.


Importante, antes de mais nada, entender um pouquinho alguns números do estica-e-puxa realizado pelo Ministério da Economia para propor o orçamento deste ano. A proposta inicial, de um lado, esticou as verbas para as Emendas Parlamentares (destinando 26 bilhões), para a pasta do Desenvolvimento Regional (que cresceu de 2,4 para 16 bilhões), para o Ministério da Infraestrutura (de 6,3 para 8 bilhões). Por outro lado, puxou o freio no Abono Salarial (corte de 7,4 bilhões), no Seguro-desemprego (corte de 2,6 bilhões), na Previdência (corte de 13,5 bilhões), entre outros. No dia limite para a sanção da Lei Orçamentária (ontem, dia 22/04), o governo federal aprovou o orçamento com vetos e bloqueios. Dentre eles, um veto de R$10,5 bilhões para as Emendas do Relator, totalizando R$15,5 bilhões para Emendas Parlamentares. Já a pasta do Desenvolvimento Regional ficou com quase R$21 bilhões e o Ministério da Infraestrutura, mais de R$18 bilhões, um aumento de respectivamente 31% e 125%!!!


Dentre os cortes na proposta inicial, entra o IBGE, que contava, na previsão orçamentária em 2020, com aproximadamente de 2 bilhões para conseguir fazer um censo num país continental, contratando cerca de 200 mil agentes censitários e recenseadores temporários que iriam visitar aproximadamente 71 milhões de lares nos 5.570 municípios do país. Isso aí, mesmo naqueles municípios mais inacessíveis no interior da Amazônia, no sertão de Pernambuco, na imensidão do Centro-Oeste. Pois para "Retratar o Brasil com informações necessárias ao conhecimento de sua realidade e ao exercício da cidadania", missão do IBGE, é preciso conhecê-lo em sua totalidade. Qualquer outro retrato, obtido exclusivamente através de questionários online ou ligações, inevitavelmente deixaria de fora uma imensa parte da população não rica, não urbana, não privilegiada, já que atualmente, 18% da população brasileira não tem acesso à internet, por exemplo. Como sabemos que aproximadamente 40 milhões de pessoas não têm acesso à internet? Pelo IBGE, que na sua Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad Contínua) levanta, entre outras coisas, o uso das TICs, as tecnologias de informação e comunicação. Pois bem, para realizar esse grande raio-X nacional foram destinados, inicialmente, 71 milhões de reais, cerca de 4% do planejado inicialmente. Com a sanção presidencial de ontem, o orçamento aprovado prevê um total de quase R$18 milhões para a realização do Censo, ou menos de 1% do previsto em 2020. Realmente, uma piada, que não só inviabiliza a realização do estudo neste ano, mas significa que muito possivelmente ele também não será realizado em 2022!

Com a sanção presidencial de ontem, o orçamento aprovado prevê um total de quase R$18 milhões para a realização do Censo, ou menos de 1% do previsto em 2020. Realmente, uma piada, que não só inviabiliza a realização do estudo neste ano, mas significa que muito possivelmente ele também não será realizado em 2022!

Esse fato daria margem para escrever uma dissertação de mestrado, mas vamos focar em dois pontos, ao nosso ver, essenciais. O primeiro é a constatação de que a não realização do censo é apenas mais um reflexo de um governo que nega a ciência, os dados, as evidências. Já aconteceu com as universidades públicas, "antro de maconheiros e parasitas", e que, portanto, não produz nada que preste. Já aconteceu com o INPE, que evidenciava o desmatamento com suas imagens de satélite, prejudicando a política do "vamos passar a boiada". Se a Polícia Federal aponta o dedo para algo que desagrada, é mais fácil trocar o gestor, e não ouvir a denúncia. E assim a lista segue longa…


Quase dois anos e meio de (des)governo, e já estamos cansados de saber que se trata de uma gestão que não quer lidar com nenhum dado que contradiga sua narrativa. E foi justamente o que aconteceu quando o IBGE divulgou os números do desemprego no país. A Pnad Contínua, metodologia do IBGE que segue padrões internacionais e considera também os trabalhadores informais em seu cálculo, apresentou recentemente um aumento no índice de desemprego, atualmente 14,3% da população. "Uma mentira absurda!", bufou o presidente Bolsonaro, já que o Caged, cadastro de empregados do Ministério da Economia que apresenta apenas dados dos trabalhos formais (CLT), mostrou um saldo positivo de 400 mil contratações em Fevereiro. Ora, em um país com mais de 40% da sua população trabalhando sem carteira assinada, absurdo é não considerar esses trabalhadores informais quando olhamos para a situação econômica. É, novamente, desmentir evidências irrefutáveis e eleger dados convenientes ao discurso que se quer fazer. Como sobre a qualidade e eficiência do censo brasileiro. O ministro Paulo Guedes, baseado em informações tiradas não se sabe de onde, afirmou que o estudo brasileiro está entre os mais ineficientes e dispendiosos do mundo. No entanto, pesquisa realizada pelo economista Ricardo Paes de Barros, professor do Insper, mostra que o censo feito no Brasil figura em 16º lugar entre os menores no mundo de uma lista de 86 países!


Abaixo, gráfico preparado pela Folha de São Paulo, em reportagem em 16 de julho de 2019, sobre o tamanho dos estudos censitários em diferentes países.

Além disso, em uma comparação do custo dos estudos por habitante em diferentes países, o estudo brasileiro não chega perto dos mais caros: os Estados Unidos, por exemplo, tem um estudo cujo orçamento figura em $42,00/habitante (cerca de R$230,00/habitante com a cotação a R$5,48), enquanto o estudo brasileiro com o orçamento inicial previsto ficaria a R$9,44/habitante. Por fim, com o orçamento aprovado, o IBGE tem R$0,08/habitante para realizar o estudo. Sim, são oito centavos por habitante! O estudo português, um dos mais baratos, fica num valor de 1 euro por habitante, o equivalente a R$6,62 reais/habitante. Como disse Paulo Guedes, sugerindo "soluções" para diminuir os custos com o censo, “Quem pergunta demais descobre o que não quer”. A pergunta que fica é: quem não quer descobrir a realidade brasileira??? E ainda: o que o governo Bolsonaro não quer que seja descoberto através das perguntas do Censo?

Como disse Paulo Guedes, sugerindo "soluções" para diminuir os custos com o censo, “Quem pergunta demais descobre o que não quer”. A pergunta que fica é: quem não quer descobrir a realidade brasileira??? E ainda: o que o governo Bolsonaro não quer que seja descoberto através das perguntas do Censo?

O segundo ponto diz respeito à contradição que é aumentar recursos para pastas como a de Desenvolvimento Regional e a de Infraestrutura, tirando dinheiro do censo. Se o censo é justamente o instrumento cuja função é identificar áreas de investimentos prioritários (em habitação, transportes, energia, entre outros) e apontar os locais que necessitam de programas de estímulo ao crescimento econômico e desenvolvimento social, como será feita a escolha do direcionamento desses recursos, agora inchados? Ou seja, o aumento de recursos destinados a estas duas pastas, que somam 30 bilhões de reais, seriam suficientes para realizar 15 censos. E, no entanto, o estudo que direcionaria o bom uso destes valores foi inviabilizado para todo o mandato do presidente Bolsonaro. Se alguém entende essa lógica, por favor nos explique, pois só conseguimos enxergar um sentido aqui: a velha política de pagar promessas de campanha com o dinheiro público.


No próximo artigo vamos falar um pouco da importância do Censo não apenas para as políticas públicas de um país, mas também para a iniciativa privada.


 
 
 

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